
Dois euros por minuto e fiz uma conta rápida. Cinco minutos seriam o suficiente. Na minha frente, três brasileiros, de uns 20 e poucos anos, riam com uma garota. Estavam em frente às cabines. Ao redor, muito neon em rosa, roxo e vermelho e cartazes envidraçados a cobrir as paredes com mulheres nuas em diversas posições. Algumas com parceiros e parceiras no ato sexual. Quase todas loiras. Recordei as velhas seções escondidas de pornografia nas videolocadoras.
A estética remetia de verdade aos anos noventa e os aluguéis de fitas para adultos quando a Netflix e a Internet ainda pareciam coisa de ficção científica: o sexo encenado e performático, as pessoas ultra sexualizadas, músculos definidos, pele uniforme e brilhante, cabelos irretocáveis e expressões sensuais, lábios entreabertos, olhos desafiadores, pontas de língua provocantes. À minha volta, uma máquina para trocar cédulas de papel por moedas e, principalmente, homens, tão curiosos como eu com aquela diversão criada a partir da profissão mais antiga do mundo. Já ali, as coisas começaram a perder o sentido.
Um dos rapazes brasileiros entrou pela portinha com a moça e os dois ficaram de fora depois de longa negociata. Quanto custaria, quem entraria primeiro, o que era permitido fazer, por quanto tempo. Depois que a salinha se fechou, a dupla que aguardava deu pulinhos e arreganhou os dentes, como crianças que vencem uma partida de travinha no meio da rua. Meninos brancos do Brasil a brincar no que a Europa oferece como brincadeira. Um deles tentou espionar, sem sucesso, o que rolava depois de a porta trancada.
A poucos metros, um casal, mais velho, de braços dados, olhava com certo interesse os produtos, como se estivesse num supermercado ou parque de diversões. Pararam diante das cabines que exibiam vídeos eróticos. Olhei de soslaio o ambiente: uma TV e um painel para escolher os filmes, uma poltrona, toalhas de papel e um cesto de lixo para os masturbadores jogarem seus detritos depois do alívio. Sumiram para outra área da casa, que parecia um labirinto.
Quem paga parar ver fora de casa um vídeo pornô ainda hoje, depois de Xvideo, Pornhub, Redtube, Charturbate e a infinidade de sites e serviços disponíveis na palma da mão pelo smartphone? Um senhor, de uns 60 anos, calvo e trajado de casaco e escuro, camisa azul marinho quadriculada, ar sério e desconfiado, provavelmente europeu, surgiu de uma das cabines. Estava nele a minha resposta.
No outro lado do hall de entrada, havia outras portas para os peep shows e uma placa de alerta em inglês: PROIBIDO MIJAR NAS CABINES, SUJEITO À MULTA DE 150 EUROS, caso alguém confundisse a expressão peep com o verbo pee.
Entrei em uma das saletas igual a dos garotos do Brasil e, só então, percebi que estava ridiculamente com um guarda-chuva a tira-colo.
Desde que havia descido em Beijmer e apanhado o metrô para Waterlooplein, a chuva não havia dado trégua no meu primeiro dia. Atônito depois de quase três horas de sono durante a viagem de ônibus, saltei meio apavorado e perguntei para o motorista, com o inglês que me restava, se estava na minha paragem. Yes, estava. Lembrei-me que, em Bruxelas, havia adquirido o objeto para andar pela capital belga a pé. Com o inverno quase no fim, a chuva imperdoável e insistente, tive que lançar mão desse artifício e o carreguei pro próximo destino, mesmo com ódio no coração pelo trambolho.
Olhei o lugar. Outro menu, agora com belas mulheres e um casal. Um banco forrado com napa e os utensílios de limpeza previsíveis para quem fosse se masturbar por ali. No chão, a confirmação de que o material tinha serventia real: perto do cesto esperma recente e papeis úmidos. Na hora, meu rosto contraiu de asco. Mas, persisti na experiência. Não sento nesse banco nem por decreto do rei holandês, pensei. Evitei chegar perto do líquido viscoso e sujar meus sapatos.

Enfiei a mão no bolso e puxei as moedas para usar no dispositivo eletrônico. A mais vistosa das mulheres, uma morena esguia de longos cabelos negros e seios esféricos cirurgicamente implantados, estava ocupada. A segunda também, uma rainha africana exuberante de volumosa cabeleira, e a terceira idem, uma ruiva curvilínea e rosácea. Restaram duas moças e a dupla. Optei por uma de grandes seios e longas pernas, maçãs do rosto altas e longos cabelos amarelos como os girassóis do Van Gogh. Ou eu já tinha visto aquela tonalidade na boate Locomotiva?
Minha atração lúbrica começou muito cedo. Aos cinco anos, uma menina mais velha, que morava na minha rua, me chamou num quarto para ver uma grande novidade. Corre aqui, ela disse. Na minha lembrança, a alcova parecia abandonada. Recordo que subi escadas e o lugar estava revirado. Uma cama de solteiro e alguns móveis desmontados, roupas e papeis espalhados pelo chão. O teto alto de amianto, as paredes de tábuas com as frestas esparsas que permitiam entrar a luz e o calor da tarde. Embaixo, funcionava uma pequena manufatura, onde a mãe dela mantinha um negócio familiar de venda de temperos diversos. Ainda hoje associo o cheiro do alho fresco, do coloral e da pimenta-do-reino a essas coisas.
Em tom de segredo, ela puxou uma revista de uma caixa de papel e me mostrou o conteúdo. Era uma fotonovela em branco e preto. Em uma das páginas, duas mulheres nuas se beijavam na boca. Seios, púbis, bunda, línguas. Aquilo me baratinou e senti, mesmo naquela idade, o sangue ferver e correr mais rápido, sem entender muito bem os motivos. A anfitriã me olhou e confidenciou que aquilo lhe dava vontades e queria fazer o mesmo comigo. Compreendi a mensagem, mas, não, não estamos em um conto erótico, nem numa pornochanchada. Senti um terror real , não sei explicar exatamente do quê, só sabia que era errado e que não queria pra mim. Desci as escadas na carreira, quase chorando, o músculo cardíaco no limite embaixo do meu peito franzino.
Bem mais tarde, na escola, tive acesso a desenhos pornográficos e toda aquela iniciação oral que moleques da minha idade passaram. Os mais velhos e mais mentirosos contavam casos e casos com primas, com colegas, com tias mais velhas, com vizinhas, com empregas domésticas. Eram eles seduzidos ou sedutores em quintais, matagais, dispensas, muros e até embaixo de assoalhos, atrás de sentinas, em cima de árvores. Uma farta e pobre literatura falada de pequenos machos a idealizar e inventar as delícias do sexo precoce. Calado eu ficava por não ter nada o que contar e ouvia as histórias com os olhos no futuro, quando chegasse minha hora.
Uma coisa eu sabia: não queria daquela forma, como aqueles relatos. E por algum motivo, que desconheço, por longos anos associei o sexo ao amor romântico e fantasiei a primeira vez com uma namorada bonita que me amasse loucamente e fosse tão virgem quanto eu, juntos a descobrir aquela coisa toda de se aventurar no corpo alheio. Nunca aconteceu como sonhei — ainda bem.
Minhas incursões em apreciar o corpo feminino começaram nas clássicas —
e comportadas para os padrões de hoje — Playboys nacionais compradas em bancas de revista. Devia ter um 13 anos quando adquiri, com o coração palpitante e o pau duro feito um osso, a revista com a loira do Sul e prima do jogador da seleção de futebol, Fábia Taffarel. Levei-a escondida para casa e a sensação de ver aquele corpo tão perfeito e diferente de tudo o que havia visto foi, realmente, um impacto físico e mental sem precedentes.
Outras revistas vieram, mas eu adorei aquele altar de papel por muitos e muitos litros até que a coleção foi desfeita, vendida para um sebo a fim de angariar fundos para uma das primeiras viagens à praia, em Mosqueiro, que fiz com um grupo de amigos e sem a presença dos meus pais. O que, no fundo, também tinha motivações sexuais, da sorte de iniciar um flerte, conseguir um “quebra” (um amasso na gíria da época), uma paquera e, se a vida fosse boa, até quem sabe iniciar nos mistério da transa. Obviamente, não rolou.
Minha geração, talvez a última, ainda viveu a fantasia masculina da iniciação sexual com prostitutas. Relatos de moleques na casa dos 15 anos que foram aos puteiros começar essa vida errante, alguns pelas mãos de pais e tios para honrar uma velha tradição e “virar homem” — um equivalente social da etiqueta do machismo latino-americano aos bailes de debutantes destinados às mocinhas da mesma idade.
Comigo nunca aconteceu e me mantive longe desses redutos de pecado por muito tempo. Até o dia que uns seis ou sete amigos resolvemos que conheceríamos todos os lupanares da parte mais antiga da cidade. Em uma única tarde de chuva, entramos nos clássicos Altas Horas, Beiradão, Barroco e Chuá, espalhados entre a Campina e a Cidade de Velha, e no extinto Lourival, atrás do Bosque Rodrigues Alves.
O Chuá é o que tenho memória mais nítida. Uma espelunca que rebebia comerciantes, feirantes e peixeiros do Ver-O-Peso. Onde chegamos e tive uma visão repulsiva de uns quatro homens em cima de uma única mulher esperando para fazer sexo oral nela, ali na frente de todo mundo, no que era o salão do lugar. A mesma puta, paga por um amigo meu, dançou na minha frente e ofereceu o serviço, sensual no meu ouvido, por módicos dois reais. Elegantemente e, mais uma vez, apavorado, recusei a proposta.
Depois desse tour, fomos muitas vezes em outros prostíbulos. Aquele ambiente de homens, a maioria, solitários e derrotados, garçons entediados e mulheres de uma beleza cansada, com olhos desesperados à espera do próximo freguês, de alguma forma me fascinava. Aos poucos tive contato com as histórias terríveis de misérias e abusos, de necessidade e rebeldia. De filhas de vereadores de cidade do interior, de esposas de traficantes internacionais que estavam presos, de ex-deusas da beleza e misses que caíram em desgraça, de mães pós-adolescentes que precisavam alimentar os filhos, de mulheres que carregavam famílias inteiras nas costas com o dinheiro da prostituição, de lindas patricinhas que pagavam seus luxos e frescuras com a féria de cada noite, de universitárias dedicadas a saíram daquele inferno do sexo remunerado, de caboclas perdidas na capital em busca de um prato de comida ou uma carreira de pó, de conhecidas que nunca imaginei que pudesse ver naqueles lugares.
A pouca luz, a fumaça, os riscos, os sussurros, o imprevisível de estar ali, tudo me atraía. Sem muita consciência do contexto maior que envolvia aquele submundo, eu gostava de entrar e observar, sempre a cumprir minha regra de outro do personagem flutuante que jamais paga por sexo. Até conhecer R., cuja história, com muito exagero, alguma poesia e pouca técnica, relato no livro Bêbado Gonzo e outras histórias, no conto Locomotiva, a casa de tolerância onde nos conhecemos e eu me apaixonei por ela pra viver uma relação curta, de alguns meses, mas profunda e memorável. Foi ela, então, minha Lúcia McCartney nos meus limites nada grandiosos como os de Rubem Fonseca.

Agora eu estava na Holanda. Em uma casa de show típica do Red Light District e aquelas luzes eram pra mim parte dessa memória afetiva e dessa curiosidade já saciada, mas não de todo. Minuto depois de inserir a moeda na maquineta, a mulher apareceu. De lingerie preta e vermelha e meias três quartos. Pouco a ver com a foto da apresentação, como em uma propaganda enganosa do McDonald. Parecia muito mais velha, a maquiagem já desbotada, os cabelos desalinhados e opacos, a tez ressequida e sem brilho. Uma europeia maltratada pelo salitre naquele região abaixo do nível do mar e pelas noites insones no bairro da Luz Vermelha.
Me senti ridículo com meu guarda-chuva, meu sobretudo e meu inglês macarrônico depois que ela disse boa noite por trás do vidro e explicou como funcionava o serviço. Ao contrário do que imaginei, o valor do show era estabelecido em negociação com ela: trinta euros, que eu apenas acatei calado sem qualquer barganha.
Os dois euros colocados na máquina serviam apenas para que ela surgisse detrás da cortina e desse a informação e negociasse a exibição. Não seriam dez euros por cinco minutos, como havia pensado quando fiz o cálculo ao chegar. A garota explicou que, pela quantia acordada, tiraria toda a roupa, dançaria pra mim e usaria um vibrador na buceta ou no cu enquanto eu a assistisse. Ela continuaria a exibição até que eu gozasse.
Ouvi atento a explicação. Devolvi com um pedido de desculpas por ter entendido errado as regras do jogo. Ela sorriu de volta compreensiva e disse tudo bem, acontece, see you soon. Thank you. Saí meio envergonhado e olhei ao redor, não com os olhos do menino de 5 anos, nem do adolescente comprador de Playboys, menos ainda com os do frequentador de puteiros baratos ansioso por experiências antropológicas de anos atrás em Belém do Pará. Era outro homem, agora sozinho, envelhecido e com alguma experiência de vida nas manhas do sexo e do amor e do moedor de carne e chamado tempo.
Havia compreendido, em um nível satisfatório, a frieza e a tristeza daquele tipo de exploração para as mulheres. O por trás daquela fantasia over de prazer barato naqueles lugares enfumados, luminosos, de paredes pretas e abarrotados de homens sedentos por exercer seus pequenos poderes de consumidores. As ilusões de macho que paga para depositar suas frustrações e seus anseio por um gozo alienado de qualquer coisa. Pensei como seria engraçado estar ali há uns 20 anos. Agora era só uma sensação esquisita, que não virou tristeza porque estava a passeio com o objetivo pré-definido de ver tudo aquilo que vi.
Abri meu guarda-chuva e fui explorar as ruelas do bairro. Pequenas romarias de turistas, leões-de-chácara mal encarados, sexshop, museus temáticos, coffee shops, traficantes de cocaína e heroína, bares e restaurantes entupidos de clientes. Fui direto ver de perto as mulheres de frete, expostas nas vitrines, uma mais bonita do que a outra, com suas maquiagens, silicones em peitos enormes, micro calcinhas e piscadelas e sorrisos de sedução, tudo muito diferente e, a mesmo tempo igual, como eu imaginei.
Em todas as vitrines, a ordem para não fazer imagens e respeitar a privacidade das trabalhadoras do sexo. Lá dentro, as belas raparigas e detrás as camas onde atendem homens do mundo todo. Uma delas, em uma das ruelas transversais ao canal, sozinha por trás do vidro, me chamou a atenção. Visivelmente contrariada, lindamente vestida, tristemente cabisbaixa. Não deveria ser uma boa noite ou, o que é mais provavelmente, nunca deve ser boa noite para ela naquele tipo de trabalho.
Era hora de ir pro hotel, um velho prédio à margem do Herengracht, um dos canais escavados ainda na Era de Ouro Holandesa. Antes entrei em um coffee shop para comprar um preparado da melhor cannabis que eles tinham, recomendado por um residente de Amsterdam, um simpático atendente português de dreadlocks que encontrei numa loja de suvenir e me deu o caminho das pedras.
Já era madrugada. Acendi meu baseado já pronto, porque não sei bolar, e pensei que era a primeira vez que comprava maconha na vida. Justamente, em um país em que a produção, a venda e o consumo são legalizados. Uma subversão regulada de alguém atrasado e fora do compasso.
Puxei, prendi, baforei.
Enquanto eu caminhava, pensava nas voltas que a vida deu nos últimos anos ao longo do canal. Fazia uns sete graus, minhas mãos doíam de frio, pessoas passavam com seus grupos, riam e falavam idiomas que eu não compreendia. Já perto do meu quarto, senti um relaxamento suave e o mundo um pouco mais lento. A visão ficou um pouco mais embaçada e fluída e minha dor do torcicolo desapareceu, como em um passe mágica.
Bateu.
Achei engraçado estar absolutamente sozinho do outro lado do mundo, em Amsterdam. Ri contido para não parecer um maconheiro idiota. Era meu aniversário de 41 anos.
(Vá ouvir Eu vou tirar você desse lugar, de Odair José)
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