Porteiro

Imagem meramente ilustrativa — protesto no Chile, em outubro de 2019. Foto: MARTIN BERNETTI/AFP

Jair desce a rampa do Planalto sob o rugido da multidão.

É um leão subnutrido, trêmulo. Insone e acabado. As feições de um rato na chuva.

No fim do caminho havia um camburão. Havia um camburão no fim do caminho.

Ordens são ordens, capitão, diz o policial constrangido enquanto o acusado entra no carro.

Em um apartamento na Zona Sul do Rio de Janeiro, outra equipe mete o pé na porta.

Encontram Carlos e o primo. Dormem nus de conchinha no quarto principal.

Ao perceber, ele berra histérico e precisa ser contido.

_ Vocês estão fodidos! Papai vai saber!

Sai de algemas enrolado na toalha direto para a Polícia Federal.

O primo fica atônito, mas logo se recupera e instala o Grindr e manda um Whatsapp pro deputado e ex-ator pornô que conheceu no Congresso.

Escondido em um clube de tiro em Brasília, Eduardo resiste armado de fuzil.

Passa três horas descarregando a munição, sitiado. Lágrimas nos olhos dentes trincados, o coração aos pulos.

Percebe que está sem saída.

Cheira três carreiras, uma atrás da outra. Acaba a perseguição com um tiro na própria boca.

Michele consegue fugir em um jatinho particular.

Está rastreada e será capturada assim que descer numa ilha da América Central.

Num bunker subterrâneo em Rio das Ostras, Flávio reúne os membros do Escritório. Julgam Fabrício e o condenam: pena de morte.

Cagueta morre feio, grune um miliciano da roda.

Ali mesmo o colocam dentro da pilha de pneus, embebedam-no com gasolina e o queimam vivo.

Grita de sucumbir às chamas:

_ Filhos da puta.

Flávio ordena aumentar o estoque de mantimentos e reforçar o arsenal. Quer resistir.

Nas ruas, os protestos comem solto.

Carros incendiados, bancos depredados, bombas caseiras a esmo e conflitos entre polícia e manifestantes.

As capitais e mais de três mil municípios estão conflagrados.

O morro desceu pra cidade, finalmente.

Em Curitiba, Luís Inácio assiste os telejornais perplexo com as últimas notícias. Só para com os rumores fora da cela.

Estrondos, gritos, tiros, correria.

A turba derruba as grades.

O condenado se recusa a sair.

_ Só saio quando provar minha: inocência e Moro e Dallagnol…

É interrompido.

O grupo o carrega na marra e ele já está nas ruas com o povo que o esperava numa vigília de mais de um ano.

Sobe em um carro-som e começa a falar.

Numa cozinha do subúrbio do Rio, uma mulher ajuda o marido com uma mala.

Eu falei que ia dar merda, ela repete, entre furiosa e apavorada.

A TV ligada noticia o caos.

Corre que eles chegaram avisa.

Beija o homem.

Ele entra no carro.

_ Pra onde a gente vai, senhor?

O motorista responde tranquilo:

_ São Luís encontrar o Dino.

_ Fica calmo que agora você está seguro, diz outro membro da Ursal.

E cortam a noite no blindado com o porteiro no banco de trás tremendo de medo.

(Vá ouvir o Rock da escada)

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